sábado, 17 de junho de 2023

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Sobre o "Paraíso Esgotado" e outras pinturas




Sobre o "Paraíso Esgotado, exposição na galeria Bessa Pereira, Lisboa, Maio 2023.
Texto de Raquel Guerra.

E outras pinturas recentes.



TEXTO DE RAQUEL GUERRA:


Para que o paraíso não se esgote, o punk não pode morrer

 

Em 1978 a icónica banda Sex Pistols dava o seu último e conturbado concerto. Na plateia estava o crítico Greil Marcus que, em resultado desta intensa experiência, escreve Lipstick Traces: A Secret History of the Twentieth Century (1989). Estava lançado o livro-referência do movimento punk.

Inconformado e contestatário, este movimento denuncia ferozmente o sistema económico e social instituído.  O espírito punk surge-nos, assim, como uma reação crítica a uma sociedade em colapso. Embora nascido na década de 70 do século XX, este movimento continua ativo, necessário e a influenciar muitos artistas visuais atuais.

Neste contexto ganha particular importância o facto de Paulo Moreira tomar como suas muitas das inquietações deste movimento: o colapso da sociedade contemporânea, a decadência moral, a subversão de valores democráticos, a destruição de princípios de igualdade e justiça social. Ao longo de quase trinta anos de trabalho, este artista tem vindo a desenvolver um projeto no qual questiona a perceção destes/as conceitos/inquietações e a possibilidade da sua representação. Mais do que direcionar a sua pesquisa para questões exclusivamente formais, interessa a Paulo Moreira concretizar obras que remetam para um leque variado de experiências e sensações.

Na exposição Paraíso Esgotado* Paulo Moreira apresenta dezassete peças. Pintura, desenho e colagem são as ferramentas operativas da sua reflexão. O processo de produção destas obras é longo. Como se de uma sequência estratigráfica se tratasse, cada uma destas obras é composta por várias camadas, construídas com recurso à pintura, ao desenho e à colagem. Neste processo, que caracteriza uma boa parte da sua prática artística, o papel (a colagem) constitui, quase sempre, a última camada das peças. Rasgado, riscado, ferido, sobreposto, denuncia o estado deteriorado, caótico, da sociedade atual. Excesso e saturação: poderiam ser adjetivos que qualificam a obra de Paulo Moreira. Prefiro, no entanto, pensar na obra deste autor como uma obra que, ao se desenvolver por várias camadas, contém muita informação.

O autor recorre a alguns elementos da gramática da arte urbana, nomeadamente o graffiti e a utilização da tinta em spray, numa clara referência a um artista que muito o influenciou – Jean-Michel Basquiat.

O trabalho de Paulo Moreira é revelador dos seus interesses pessoais. No trabalho deste autor abundam referências a outros campos da arte: desde logo ao cinema, evidente na escolha do título da exposição, à literatura e à música. A palavra invade a tela (ou o papel) e o som manifesta-se pela performatividade do traço. De uma estética fundamentada na provocação e na apropriação, os trabalhos que Moreira apresenta nesta exposição, tornam evidente uma violência latente. Dead meat e Schwarzer asphalt, títulos apropriados de canções, remetem-nos para uma simbologia da violência e da dor: “Porque ninguém existe sem razão, neste globo cheio de tristezas” (tradução livre de uma verso da música Schwarzer asphalt/Asfalto negro). A cabeça de touro invertida de Baby do you transporta-nos para o massacre de Guernica fixado na tela por Pablo Picasso.

Com os trabalhos apresentados nesta exposição parece dar-se um ponto de viragem na gramática visual de Paulo Moreira. São trabalhos mais depurados que parecem focar-se somente no essencial. Naquilo que importa.

Neste projeto, Paulo Moreira dá continuidade às propostas de reflexão que têm estado no cerne do seu trabalho. No entanto, estas propostas surgem-nos mais amadurecidas, mais firmes, com uma força que parece residir na sua capacidade de nos desassossegar.

 

Raquel Guerra

 

*título tomado de empréstimo de uma frase do filme A Comédia de Deus (1995) de João César Monteiro

 

Referência bibliográficas:

- Punk. Sus rastros en el arte contemporâneo. Catálogo de exposição. MACBA, 2016

- Greil Marcus - Lipstick Traces: A Secret History of the Twentieth Century. Faber & Faber, 2011

- Debord, Guy – A Sociedade do Espectáculo. Antígona, 2021






DIE AUSSICHTEN SIND NICHT VIELVERSPRECHEND - AS PERSPETIVAS NÃO SÂO AUSPICIOSAS, 2023 
- Mixed media on wood 
- 200 X 160 cm




DOWN BY THE WATER, 2022 
- Acrylic, spray, paper on canvas 
- 150 X 100 cm - 2




HOW TO BE RICH HOW TO BE MODEST, 2022 
- Acrylic, spray paint, colored pencil, paper on canvas 
- 170 X 150 cm




I REGRET EVERYTHING I NEVER DID, 2022 
- Acrylic, spray pain, paper on canvas 
- 183 X 155 cm




IF YOU ARE NOT USING AI, 2023 
- Acrylic, spray paint, oil pastel, ink, paper on canvas 
- 200 X 190 cm




LET IT BURN, 2022 
- Acrylic, spray, paper on canvas 
- 150 X 100 cm





LIBERTE COULEUR DHOMME, 2022 
- Acrylic, spray paint, paper on canvas 
- 200 X 130 cm






OVERCOOKED SPAGHETTI AND GERMAN SAUSAGE, 2023 
- Acrylic, spray paint, paper on paper 
- 172 X 171 cm




PINK PUNK, 2022 
- Acrylic, colored pencil, spray paint, paper, photos on wood panel 
- 170 X 200 cm






SCHWARZER ASPHALT, 2022 
- Acrylic, spray paint, paper on canvas 
- 200 X 150 cm




THE ALGORITHM, 2023 
- Acrylic, spray paint, paper on canvas 
- 180 X 140 cm





I HAVE SLEPT IN A GRAVEYARD, 2023 
- Acrylic, oil pastel, spray paint on paper 
- 176 X 197 cm_





I love you, you can go, shut the door, 2022 
- mixed media on paper 
- 150 X 96 cm




NEVER TRUST A PRIEST, 2023 
- Acrylic, spray pain, oil pastel on paper on wood 
- 188 X 145 cm





WHERE IS THE MONEY, 2023 
- Acrylic, oil pastel, spray paint, paper on canvas 
- 155 X 173 cm