PAISAGENS PROVÁVEIS e outros DESENHOS, 2022/2023
Serie de desenhos sobre papel A3, 1264 Fabriano, 300 gr.
PAISAGENS PROVÁVEIS e outros DESENHOS, 2022/2023
Serie de desenhos sobre papel A3, 1264 Fabriano, 300 gr.
Para que o paraíso não se esgote, o punk
não pode morrer
Em 1978 a icónica banda Sex Pistols
dava o seu último e conturbado concerto. Na plateia estava o crítico Greil
Marcus que, em resultado desta intensa experiência, escreve Lipstick Traces:
A Secret History of the Twentieth Century (1989). Estava lançado o
livro-referência do movimento punk.
Inconformado e contestatário, este
movimento denuncia ferozmente o sistema económico e social instituído. O espírito punk surge-nos, assim, como
uma reação crítica a uma sociedade em colapso. Embora nascido na década de 70
do século XX, este movimento continua ativo, necessário e a influenciar muitos
artistas visuais atuais.
Neste contexto ganha particular
importância o facto de Paulo Moreira tomar como suas muitas das inquietações
deste movimento: o colapso da sociedade contemporânea, a decadência moral, a
subversão de valores democráticos, a destruição de princípios de igualdade e
justiça social. Ao longo de quase trinta anos de trabalho, este artista tem
vindo a desenvolver um projeto no qual questiona a perceção destes/as
conceitos/inquietações e a possibilidade da sua representação. Mais do que
direcionar a sua pesquisa para questões exclusivamente formais, interessa a
Paulo Moreira concretizar obras que remetam para um leque variado de
experiências e sensações.
Na exposição Paraíso Esgotado* Paulo Moreira apresenta dezassete peças.
Pintura, desenho e colagem são as ferramentas operativas da sua reflexão. O
processo de produção destas obras é longo. Como se de uma sequência
estratigráfica se tratasse, cada uma destas obras é composta por várias
camadas, construídas com recurso à pintura, ao desenho e à colagem. Neste
processo, que caracteriza uma boa parte da sua prática artística, o papel (a
colagem) constitui, quase sempre, a última camada das peças. Rasgado, riscado,
ferido, sobreposto, denuncia o estado deteriorado, caótico, da sociedade atual.
Excesso e saturação: poderiam ser adjetivos que qualificam a obra de Paulo
Moreira. Prefiro, no entanto, pensar na obra deste autor como uma obra que, ao
se desenvolver por várias camadas, contém muita informação.
O autor recorre a alguns elementos da
gramática da arte urbana, nomeadamente o graffiti e a utilização da
tinta em spray, numa clara referência a um artista que muito o
influenciou – Jean-Michel Basquiat.
O trabalho de Paulo Moreira é revelador
dos seus interesses pessoais. No trabalho deste autor abundam referências a
outros campos da arte: desde logo ao cinema, evidente na escolha do título da
exposição, à literatura e à música. A palavra invade a tela (ou o papel) e o
som manifesta-se pela performatividade do traço. De uma estética fundamentada
na provocação e na apropriação, os trabalhos que Moreira apresenta nesta
exposição, tornam evidente uma violência latente. Dead meat e Schwarzer
asphalt, títulos apropriados de canções, remetem-nos para uma simbologia da
violência e da dor: “Porque ninguém existe sem razão, neste globo cheio de
tristezas” (tradução livre de uma verso da música Schwarzer asphalt/Asfalto negro).
A cabeça de touro invertida de Baby do you transporta-nos para o
massacre de Guernica fixado na tela por Pablo Picasso.
Com os trabalhos apresentados nesta
exposição parece dar-se um ponto de viragem na gramática visual de Paulo
Moreira. São trabalhos mais depurados que parecem focar-se somente no
essencial. Naquilo que importa.
Neste projeto, Paulo Moreira dá
continuidade às propostas de reflexão que têm estado no cerne do seu trabalho.
No entanto, estas propostas surgem-nos mais amadurecidas, mais firmes, com uma
força que parece residir na sua capacidade de nos desassossegar.
Raquel Guerra
*título tomado de empréstimo de uma frase do filme A Comédia de Deus
(1995) de João César Monteiro
Referência bibliográficas: